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Coluna Push to Pass: Sobre pirataria, ripagens e afins


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A FIA (Fédération Internationale de l’Automobile) resolveu caçar alguns mods que continham conteúdos relacionado à Fórmula 1, e isso causou um tremendo alvoroço no automobilismo virtual nesta semana. Em resumo, todo mod que tinham referências claras à F1 foram deletados, sob a alegação de infringir os direitos autorais.

Desde que eu conheço o AV, mods sobre a F1 e outras categorias eram o que mantinham os jogos/simuladores vivos. Antes da Codemasters adquirir os direitos da categoria máxima do automobilismo, lá em 2008, o último jogo oficial realizado para PC tinha sido o F1 Challenge 99/02. Com a possibilidade de se editar os conteúdos do F1C, era óbvio que a comunidade iria mexer os seus pauzinhos e fazer as suas próprias versões da F1 atual. Nos camelôs da minha cidade ou até nos eMules da vida, era normal você procurar por um F1 2007 para PC e comprar/baixar o F1C atualizado.

Eu acho que essa prática de modding era algo saudável. A finada SimBin (hoje Sector3 Studios), surgiu depois de um grupo de modders fazer um aclamado mod de GT para o F1 2002. A crítica foi tão boa que eles conseguiram um contrato e criaram vários jogos como GTR, GT2, Race 07 e outros, além do atual RaceRoom Racing Experience.

Quando o assunto era F1, os mods feitos pelas comunidades sempre andaram juntos com a ripagem (extrair alguma coisa de uma fonte e passar para outra) de algum conteúdo. Só que quando eu entrei nesse mundo, a ripagem era entre os modders. Nem todo mundo sabia modelar um 3d decente, então a comunidade “kibava” um carro de outro grupo de modding quando eles disponibilizavam a versão deles da F1 e botava na versão deles. Eu já fiz isso.

Conforme mencionei no meu post passado, um dos fóruns que bombava na época era o Racesimulations.com e devido a esta prática, os administradores criaram uma política de não aceitar mods com conteúdos não autorais. Ou seja, para postar lá, o seu conteúdo tinha que ser 100% criado por você, ou no mínimo, você teria que ter a permissão para usar aquilo em seu mod. Se você não seguisse a regra, era lhe dado um warning e seu mod era deletado. Se você repetisse o feito, era banido.

Essa “ética” criada a força foi benéfico para o cenário da época mas não evitou os leechers (tradução livre: sanguessugas), que continuaram postando os seus mods em outros fóruns, que não estavam nem aí para direitos autorais. Eu fiz parte do movimento leecher e não-leecher. Ao mesmo tempo que eu queria ter um conteúdo postado no Racesimulations, eu também queria fazer mods de Indy, GP2 e outras categorias. Como eu não tinha habilidade para modelagens, a solução era converter do rFactor e isso era considerado ilegal.

Quando o primeiro F1 Codemasters saiu, um pequeno câncer atingiu a comunidade de modding. Como não tínhamos nada oficial em termos de F1 na época, para se ter um modelo atualizado dos carros da F1 era necessário alguém modelar do zero. Agora com um 3d oficial dando sopa por aí, não tardou muito para os modders notarem que era mais prático e simples ripar o 3d do jogo do que modelar os seus.

Nos primeiros anos, isso não era exatamente um problema para a comunidade do automobilismo virtual. Grandes ligas podiam usar este conteúdo para fazer os seus campeonatos, já que com um pouco de conhecimento, era possível fazer o template e disponibilizar para as equipes pintarem seus carros. Só que a Codemasters começou a sacar essa jogada e a partir de 2012 mudou a forma de mapeamento dos seus carros. Para você entender melhor, imagine o template de um carro como um papel aberto. Em determinada parte deste papel está o mapeamento da asa dianteira, e assim seguia o restante do template, era possível costumizar o carro todo, você sabia onde estava pintando e o que estava pintando.

Só que cansada disso, a Codemasters começou a fazer um verdadeiro mapeamento genericão, para dificultar a vida das ligas. Pegue por exemplo o carro da Williams. 80% do carro tem superfície branca, então eles pegavam literalmente todas as partes brancas do carro e mapeavam num quadrado. O resto onde iriam os patrocinadores eles mapeavam certinho. Ou seja, se você quisesse fazer uma linha transversal na lateral do cockpit, essa linha iria aparecer também na tampa do radiador, uma verdadeira droga.

Essa é a razão de não haver campeonatos virtuais usando os carros da era turbo com pinturas personalizadas. Os modders competentes abandonaram o barco ainda no começo desta década, e os que ficaram não sabiam direito como modelar. O último suspiro de trabalho bem feito foi o F1 RFT 2013, mas depois disso o Sompir (o fodão que modelava para os caras) deixou o grupo e não tivemos mais versões do mod.

E assim como a F1, essa enxurrada de novos games de corridas que saíram nos últimos anos teve o mesmo efeito nos carros de GT’s e outras categorias. O Need For Speed Shift foi o primeiro a fazer os modders abandonarem a modelagem tradicional para ripar os conteúdos. A grande maioria dos carros de GT que vocês pilotam hoje no rFactor, GSC e agora AMS, são 3d’s ripados do NFS. Com o lançamento do Project Cars no ano passado e do Assetto Corsa, esses são os novos queridinhos das ripagens.

Ufa, quanta coisa.

Agora, isso é pirataria e a FIA está certa? Para a primeira pergunta, eis o meu ponto de vista. Eu considero pirataria quando alguém ganha dinheiro vendendo o seu conteúdo ilegalmente, como faziam com o F1 2007 (leia-se F1C com mod). Mas quando a grande maioria dos modders que eu conhecia só queria satisfazer a vontade de jogar online um campeonato, por diversão, pegar um conteúdo do F1 Codemasters e converter para o rFactor para jogar com amigos não me parecia algo grave. Porém, isso impacta claro nas vendas do game oficial.

Quem já jogou o jogo oficial sabe que aquilo é divertido, bom pra brincar com aquele seu tio que aparece no domingo de almoço em família na sua casa e só. Quem gosta mesmo de simulação vem pro PC para jogar rFactors, GSCs, iRacings e derivados. Se não há mods para esses simuladores, o público vai ter que se contentar com o Codemasters, e as vendas aumentam. Essa é mais ou menos a linha de raciocínio da FIA.

A1GP também teve seu momento de cruzada contra o AV

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Quem acompanha o automobilismo há pelo menos 10 anos, sabe que no meio da década passada surgiu uma categoria chamada A1GP, que era como uma Copa do Mundo de Automobilismo. A ideia era bacana e categoria era muito boa. Não tardou muito para a iDT (você deve conhecer ela dos mods da CART, Champ Car) fazer um mod e ir tentar vender para os chefões da categoria. Os caras não compraram a ideia e a iDT teve de arquivar o projeto.

Só que como o ser humano é uma coisa a ser estudada, alguém conseguiu vazar esse mod e liberou para a comunidade. A iDT reivindicou os direitos do mod e ele começou a ser considerado ilegal pelos sites sérios de automobilismo virtual, que o baniram imediatamente. No submundo, ele continuou circulando e com um pouco de pesquisa era possível achar ele.

A A1GP também não gostou da ideia de ter um conteúdo seu circulando sem levar um troquinho por isso, e declarou guerra à comunidade, ameaçando entrar com ações legais contra quem fizesse um mod deles. É por esse motivo que muitos mods da categoria que começaram tiveram que ser pausados. Tão logo era divulgado que o projeto estava em WIP (Work In Progress), chegava uma notificação da categoria.

Eu como um bom adolescente idiota da época, caguei para isso e resolvi fazer o mod da temporada 2008/2009, em cima do chassi da F3000, ripado do Race 07. Abaixo um vídeo do mod.

Não sei porque, mas nunca me localizaram para me enviar uma intimação. Acho que era apenas balela para amedrontar o pessoal. De qualquer forma, o nome A1GP estava banido dos fóruns, e mesmo que eu tivesse feito esse mod totalmente do zero, postar ele em um fórum sério como o Racesimulations significaria expulsão, mesmo se o conteúdo fosse meu.

E assim a A1GP conquistou uma certa apatia da comunidade do virtual, o que não importou muito, afinal a categoria morreu no ano seguinte e o pessoal logo esqueceu isso.

Para encerrar esse post longo, a neurose da F1 parece ter chego no Automobilista. O simulador da produtora brasileira sumiu da lista da Steam e eles estão em processo para resolver o problema. Aparentemente uma reivindicação de direitos autorais foi o motivo. Se isso realmente foi uma ação da FIA, ainda não sabemos, a Reiza disse que não irá se pronunciar sobre o ocorrido enquanto o processo estiver sendo investigado. Mas é claro que é muita coincidência isso acontecer na mesma semana que a F1 solta os cachorros em cima dos modders.

Mas se foi uma ação da FIA, confesso que estou curioso para saber no que isso vai dar e o quanto eles estão certo sobre isso. O AMS não utiliza nada oficial da F1, os carros são uma modelagem genérica com uma pintura que lembra as da equipe da categoria máxima. Se a FIA tiver reivindicando isso, dizendo que o formato dos chassis, pneus, som do motor e outras coisas são patenteadas pela categoria e blá blá blá, deveremos ter um reboliço no cenário das ligas virtuais. Um exemplo é a Fórmula N1, que usa um chassi genericão, motor V6 e só. Se a FIA resolver encrencar até com isso, vamos ter que utilizar a Indy como categoria máxima (risos).

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